Começos e conexões: o Brasil que vive na arte de Bia Cândido"
- Marisa Melo

- 25 de ago.
- 5 min de leitura
O trabalho da UP Time Art Gallery é inspirar e fascinar através da Arte. Nossos artistas apresentam trabalhos que retratam nossas emoções, nossas causas, nossas vidas. O público sempre quer conhecer o artista por trás da obra. Quem é, como pensa? Que história de vida levou a esse trabalho?
Hoje conversamos com Bia Cândido.

Bia Cândido é artista visual e designer gráfica, brasileira radicada na Austrália desde os três anos de idade. Sua pintura, feita majoritariamente em acrílica sobre tela, parte de observações diretas e temas concretos como o corpo, a paisagem e a arquitetura popular, explorando cores intensas, blocos firmes e composições frontais. O Brasil, longe de ser tratado como um tema exótico, aparece como repertório afetivo e visual em suas obras: nas moradias empilhadas, nas ruas de terra, nos corpos negros retratados com dignidade, nos elementos cotidianos que ela traduz em cor e forma com precisão. Transitando entre o figurativo e o abstrato, Bia constrói um olhar claro e decidido, sem idealizações, marcado por equilíbrio e uma linguagem própria. Nesta conversa, ela compartilha como a distância geográfica se tornou fonte criativa, fala sobre sua responsabilidade estética e política, suas influências e a forma como ser brasileira fora do Brasil molda sua arte e sua identidade.
1 – Você cresceu na Austrália, mas mantém o Brasil como presença constante na sua pintura. Como essa distância geográfica influencia a forma como você representa o país?
Crescer longe do Brasil acabou tornando minha conexão com ele ainda mais intensa e pessoal. A distância transformou a memória na minha principal referência, então meu trabalho muitas vezes nasce de uma mistura de nostalgia e imaginação, e não apenas de uma observação documental. Não tento reproduzir o Brasil exatamente como ele é, mas sim como eu o lembro e sinto: suas cores, ritmos e cenas do cotidiano que ficaram comigo. Essa distância me dá liberdade para reinterpretar e destacar aspectos que falam sobre minha identidade, em vez de me sentir presa a representar o país de forma realista.
2 – Seu trabalho parte de observação direta e de temas concretos: o corpo, a paisagem, a arquitetura popular. O que leva você a escolher um tema para pintar?
O que define o que merece ser fixado na tela?
Sou atraída por temas que carregam histórias e significado cultural. Também me inspiro muito na música e tento transmitir essa mesma sensação, mas de forma visual. Muitas vezes, é algo que chama minha atenção não por ser grandioso ou monumental, mas por estar vivo de emoção, um gesto, uma postura, um canto de rua. Escolho o que pintar de forma intuitiva: quando uma imagem ou cena prende meu olhar por mais tempo que o normal, geralmente é sinal de que ela merece ser explorada na tela.

3 – Seus retratos de corpos negros têm dignidade e franqueza. Como você vê a responsabilidade política e estética desse gesto, especialmente produzindo fora do Brasil?
Como não sou negra, tenho plena consciência do peso e da responsabilidade que tenho ao representar corpos negros. Encaro isso com humildade e respeito, ciente da história complexa e muitas vezes dolorosa de como pessoas negras foram retratadas na arte. Meu objetivo não é falar por essas comunidades, mas honrar sua presença e individualidade, mostrando-as com dignidade e força. Especialmente trabalhando fora do Brasil, onde a riqueza da cultura brasileira é menos conhecida, sinto que é importante mostrar que o Brasil é profundamente mestiço, moldado por influências negras, indígenas e europeias ao mesmo tempo. E essa mistura não aconteceu de forma suave, foi marcada por estupro, genocídio e opressão. Não é possível representar o Brasil de forma honesta sem reconhecer o papel central de todas essas culturas e a profunda conexão dessas identidades. É por isso que gosto de representar diferentes tons de pele e identidades no meu trabalho, buscando criar imagens que respeitem e revelem essa realidade cultural complexa, mostrando a beleza que surgiu de uma história difícil.
4 – Sua pintura tem uma estrutura forte: blocos de cor, contrastes visuais, composições decisivas. Como você desenvolveu essa linguagem formal direta, que dispensa metáforas?
Ela surgiu naturalmente do meu desejo de comunicar de forma clara e impactante. Com o tempo, percebi que me interessava menos por simbolismos complexos e mais pelo que a própria superfície podia dizer usando cor, forma e composição. Trabalhar com blocos sólidos de cor e contrastes marcados me pareceu honesto e direto, refletindo a força e a clareza que eu queria que meus temas transmitissem. Essa linguagem permite que o espectador se conecte imediatamente, sem precisar decifrar significados ocultos, mas ainda deixando espaço para interpretações pessoais.

5 – Na sua prática, o figurativo e o abstrato não se anulam, eles coexistem. Como você negocia esse limite entre o reconhecimento da imagem e a liberdade da cor e da forma?
Gosto de começar a partir de algo reconhecível, como uma figura, um gesto ou uma cena familiar, e depois permitir que a cor e a textura quebrem ou reformulem isso. Procuro garantir que haja uma verdade emocional, que capture um sentimento, enquanto me dou liberdade para explorar de forma intuitiva. Foco na sensação que quero transmitir, algo que nem sempre pode ser expresso apenas por meio da figura, então trabalho com cores e texturas para alcançá-la.
6 – Quais são suas principais referências artísticas? Quem você admira e como essas influências aparecem, direta ou indiretamente, na construção da sua linguagem visual?

Sou inspirada por artistas como Tarsila do Amaral, pelo seu modernismo ousado enraizado na cultura brasileira. Também admiro Waldomiro de Deus pelo uso da cor. Gosto de pintores contemporâneos como Lynette Yiadom-Boakye e Teoni, que combinam figuração com pinceladas expressivas e gestuais. Também me inspiro em artistas abstratos como Mark Rothko, pela sua sensibilidade aos campos de cor. Essas influências aparecem no meu trabalho como uma mistura de narrativa e abstração, estou sempre buscando elementos que sejam ao mesmo tempo pessoais e abertos à interpretação.
7 – Estar entre dois países, duas línguas e dois mundos deixa marcas. Como a experiência de viver longe do Brasil moldou sua subjetividade como artista e como mulher?
Viver longe do Brasil aprofundou minha conexão com ele. A distância me faz refletir mais sobre minha identidade cultural e sobre o que significa carregar essas memórias e símbolos para novos contextos. Também me dá uma perspectiva única de ser brasileira e australiana. Como mulher, isso me ensinou resiliência e o valor de encontrar comunidade onde quer que eu esteja, além de me fazer refletir e sentir saudade de uma vida que não vivi no Brasil, perto da minha família. Ao mesmo tempo, sou grata por estar em um país tão bonito como a Austrália. E, sendo a Austrália um lugar tão multicultural, sou muito grata pelas experiências que tive com outras culturas, especialmente por ter crescido cercada de tantos exemplos de mulheres fortes, não apenas latinas, mas de várias nacionalidades. Acho que isso me moldou muito como mulher.
Bia Cândido está no começo de sua jornada artística, mas já demonstra um olhar sensível, capaz de transformar lembranças e referências culturais em imagens que dialogam com identidade e emoção. Seu trabalho é um território em construção, aberto a experimentações e novas descobertas, e essa entrevista revela pistas de um caminho promissor. Ao acompanhar sua trajetória, será possível testemunhar como suas vivências entre o Brasil e a Austrália seguirão moldando sua linguagem e ampliando seu repertório criativo.
Saiba mais sobre Bia Cândido:










Que artista divina! Seus quadros emocionam